Tribunal Administrativo de círculo de Lisboa
Processo nº 254349/2012
DESPACHO SANEADOR
(art. 87º nº1 al.a) CPTA)
1. Saneamento
O tribunal é absoluta e
relativamente competente.
As partes têm capacidade e
personalidade judiciária; são legítimas e estão devidamente representadas.
O processo é o próprio e válido.
Não existem excepções ou questões
prévias que obstem ao conhecimento do mérito do tribunal.
Ao valor da causa é aplicável o
artigo 34.º número 1 do CPTA.
1.1.
Apreciando
e decidindo as questões suscitadas:
Da ilegitimidade activa:
Cabe apreciar a questão da legitimidade activa,
que implica a titularidade do direito de acção. O artigo 55.º, nº 1, a) do
CPTA, dispõe que tem legitimidade para impugnar um acto administrativo “…quem
alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter
sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”. O
autor é parte legítima, já que alega na sua petição inicial ser parte na
relação jurídica controvertida. Ele tem na verdade, um interesse legalmente
protegido que foi posto em causa, directamente pelos actos administrativos em questão.
Não parece que é violado um direito subjectivo.
De forma alguma, no entendimento do tribunal, parece que haja um direito
subjectivo a que o filho do autor nasça no Hospital x ou y. O encerramento da
MAC não impede que a mãe e o bebé sejam seguidos noutro Hospital. O que não
significa que serão acompanhados com mais ou menos cuidado, ou que estariam
melhor num ou noutro hospital, não importa para já fazer juízos de valor.
Importa apenas que existem outros Hospitais onde o bebé pode nascer.
O autor não especifica expressamente qual é o
direito ou interesse que em causa se encontra violado. Porém cumpre apreciar:
para se poder fazer um juízo positivo sobre a legitimidade activa, é suficiente
que o autor da acção impugnatória alegue, de um modo fundamentado, ser titular
de interesse legítimo, directo e pessoal na impugnação de determinado acto
administrativo, mormente por ter sido lesado por esse acto nos seus direitos ou
interesses legalmente protegidos.
Tem-se entendido que há interesse legítimo
quando é protegido pela ordem jurídica, será directo quando tem repercussão
imediata no interessado, e será pessoal se a repercussão da anulação do acto se
projecta na sua própria esfera jurídica.
Embora haja invocação da sua legitimidade ao
abrigo da acção popular social de modo a promover judicialmente o bem saúde
pública que é constitucionalmente protegido, tal não é necessário.
Concluindo, o interesse do Autor é legítimo em
função da titularidade de interesse jurídico pelo não encerramento da MAC.
Os contra-interessados alegam a ilegitimidade
de João, na medida em que, seria necessário haver litisconsórcio natural, nos
termos do art. 28 nº2 CPC, aplicado analogicamente, de modo a que, a acção
produza o seu efeito útil normal.
Todavia, esta não é a situação em apreço, já
que não é considerada como uma das situações previstas pelo legislador no
artigo, de modo a evitar decisões inúteis ou contraditórias.
Por serem cônjuges, o mesmo não significa que
exista litisconsórcio necessário, visto continuarem a ter legitimidade
processual individual.
Afastado que está, este litisconsórcio, podia
ser considerado o litisconsórcio voluntario, caso as partes assim o fizessem
prevalecer, invocando-o.
Não o fazendo, não existe qualquer
ilegitimidade de João, ao abrigo do art. 27º CPC.
2. Dos factos assentes:
A)
A maternidade Alfredo de Campos (doravante,
MAC) tem previsto o seu encerramento para o final de Maio;
B)
O
encerramento da MAC foi precedido de consulta pública (Cfr. Doc. Consulta
pública nº 16; prova junta pelos réus);
C)
O
encerramento foi decidido por Despacho do Ministro da saúde;
D)
A
notícia de encerramento da MAC foi lançada em Abril de 2011 (Cfr. Noticia
Jornal Público – doc. 14junta pelos réus e Doc. 2 e 3 da contestação dos
contra-interessados);
E)
Este
encerramento fica a dever-se ao facto de haver uma necessidade de
racionalização da rede hospitalar pública por motivo de planeamento económico
no actual contexto português; (Notícia do Jornal Público. Cfr. Doc. 2 e 3,
quesito 18º da contestação dos contra-interessados; Comunicação da MAC, Cfr.
Doc. 10, prova junta pelos réus);
F)
O autor João Maló Bemnascido é casado no regime de comunhão de
adquiridos com Joana Tan Bemnascido;
G)
A esposa do Autor está grávida desde Setembro de 2011, tendo
revelado os exames médicos estar associada a esta um sério risco de deslocação
da placenta, com a agravante de que o feto sofre de síndrome de Hipoplasia do
Coração Esquerdo;
H)
O parto deverá ocorrer no mês de Maio, daqui se retira que a
criança nascerá prematura pelo que necessitará de maiores cuidados;
I)
Joana tem de se deslocar à Maternidade pelo menos uma vez por
semana;
J)
Joana não pode frequentar locais muito movimentados e deve evitar o
uso de transportes públicos;
K)
O Autor não possui viatura própria;
L)
A gravidez de Joana Tan Bemnascido foi descoberta durante uma
consulta de rotina de Ginecologia realizada na MAC, aliás onde a esposa do
autor é seguida há já vários anos;
M)
Joana criou uma relação de estreita confiança com a equipa médica
da Maternidade;
N)
A equipa médica tem acesso a todo o historial médico de Joana; (quesito
17º e 18º da P.I)
O)
O autor e a esposa escolheram os serviços da Maternidade para o
seguimento da gravidez e futuro parto, atendendo à relação de confiança
referida no ponto G, na qualidade dos serviços e acima de tudo pela grande
proximidade da mesma com o domicílio do casal;
P)
É tradição da família Bemnascido nascer-se na MAC;
Q)
O encerramento da Maternidade levou à transferência das equipas
médicas para outros Centros hospitalares e Maternidades, entre eles
encontram-se os Centros Hospitalares de Santa Maria e Loures (Cfr. Comunicação
do Ministério da Saúde – doc. 12 prova junta pelos réus);
R)
Por decisão do Presidente da ARSLVT foi determinada a distribuição de
todas as grávidas que estavam a ser seguidas na MAC, para outros
estabelecimentos hospitalares (Cfr. Parecer da CNSMCA – doc. 8 prova junta
pelos réus);
S)
O Hospital de Loures tem abertura agendada para 27 de Fevereiro
(Cfr. Comunicação do Ministério da Saúde – doc. 12 Prova junta pelos réus);
T)
O Hospital de Loures disponibiliza um serviço gratuito de apoio às
grávidas carentes de cuidados especiais e um serviço de acompanhamento semanal
de obstetrícia ao domicílio e transporte sem encargos para o utente (Cfr.
Minuta de contrato de atribuição de apoios financeiros – cfr Doc. 15; prova
junta pelos réus);
U)
A Maternidade Estevão Ferreira, uma das opções de transferência de
Joana Tan Bemnascido, foi congratulada com um prémio pela investigação feita na
área da Hipoplasia do Coração Esquerdo pela Sociedade Europeia de Cardiologia.
Doença que afecta o bebé em causa. (Cfr Cópia da Noticia da Ciência Hoje – doc.
5 – contra-interessados);
V)
A 28 de Março o processo clínico de Joana foi transferido para o Hospital
de Loures (Cfr. comunicação da MAC – doc. 10 prova junta pelos réus);
W)
O Hospital de Loures
possui urgência direccionada para a área de obstetrícia e pediatria
(Notícia Jornal Público Doc. 14 prova junta pelos réus);
X)
Joana tem a faculdade de requerer através do formulário “bebés-em-transição” o acompanhamento
pelo médico responsável pelo seu caso na MAC (Cfr. comunicação da MAC – doc. 10
prova junta pelos réus);
Y)
O Hospital de Loures
foi galardoado pelo Comité Europeu de Avaliação Dos Cuidados De Saúde
Materna, Pré-Natal e Obstetrícia como uma das unidades melhor preparadas da
Europa (Cfr. Cópia do Prémio conferido por entidade europeia – doc. 11 prova
junta pelos réus);
Z)
O governo com vista a manter os compromissos perante as entidades
externas optou pela não construção do hospital Todos-os-Santos, face aos custos
que comportaria uma obra de tamanha dimensão (Cfr. Comunicação do Ministério da
Saúde – Doc. 12prova junta pelos réus);
Deram-se
como provados os factos alegados:
-
De acordo, com as regras máximas de experiência e de conhecimento
geral;
-
Por acordo, nos factos em que não existiu impugnação;
-
Tendo em consideração as provas apresentadas pelas partes.
3. Base
instrutória:
1. O Hospital de Loures tem boas infra-estruturas e equipamentos para
receber as parturientes? (quesito 40º da PI; 28º e 32º da contestação)
2. As
instalações da MAC colocam em causa a segurança dos utilizadores? (contestação
quesito 13º; 41º da P.I)
3. O Hospital
de Loures tem
equipamentos especializados para o apoio da vida do bebé? (quesito 31º da
contestação e quesito 49º da PI)
4. A
Maternidade Alfredo dos Campos dispõe das melhores infra-estruturas? (quesito 41º
da PI; quesito 46º da PI e quesito 13º contestação)
5. A
deslocação até ao Hospital de Loures é feita em condições que assegurem a saúde da mãe e do feto? (quesito
20º da contestação);
6. O autor
tomou conhecimento da possibilidade de requerer transporte? (quesito 20º da
Contestação)
7. No
transporte, ao Hospital de Loures, a grávida é acompanhada por técnicos
especializados? (20º da contestação);
8. A MAC
dispõe de uma equipa de urgência médica composta por obstetras,
pediatro-neonatologistas, anestesistas e um corpo de enfermeiros, 24 horas por
dia? (quesito 44º da PI)
9. O Hospital
de Loures garante uma
equipa de urgência médica, composta por obstetras e pediatras, 24 horas por
dia? (quesito 30º da Contestação)
10. A equipa
das especialidades de obstetrícia e neonatologia da MAC foram transferidas pra
o Hospital de Loures? (quesito 41º da Contestação)
11. A parturiente vai ser acompanhada pela mesma
equipa médica? (quesito 8º e 10º da contestação)
12. O
encerramento imediato da MAC colocará em causa a saúde da grávida ou do feto? (quesito
53º da PI)
13. O
encerramento da MAC vai permitir uma maior qualidade dos serviços prestados nos
outros centros hospitalares? (quesito 20º contestação dos contra-interessados)
Lisboa, 18 de Maio de 2012
Os juízes,
Ana Filipa Costa
Ana Maria Pereira
Ana Rita Pereira
Cátia Muchacho
Diogo Ramos
Hélder Correia
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