terça-feira, 22 de maio de 2012

Parecer do Minstério Público


PROCURADORIA-GERAL DO CÍRCULO DE LISBOA



Parecer nº 35/2012

Processo nº 254349/2012



Exmºs. Srs. Juízes Conselheiros



Aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal compete a apreciação de litígios que tenham por objecto a tutela de direitos fundamentais e direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, nos termos do artigo 4º, nº1, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante, ETAF).
Nesta acção, estão em causa direitos fundamentais, bem como, direitos e interesses legalmente protegidos, logo, os tribunais competentes para apreciar a acção em causa são os tribunais administrativos e fiscais.
Compete ao Ministério Público (daqui em diante, MP), nos termos dos artigos 219º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) e 1º do Estatuto do Ministério Público, a defesa da legalidade e a tutela do interesse público.
Nos termos do artigo 85º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (daqui em diante, CPTA), o MP pode: solicitar a realização de diligências instrutórias, pronunciar-se sobre o mérito da causa em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e de interesses públicos e invocar causas de invalidade diversas das que tenham sido arguidas na petição inicial, bem como quaisquer questões que determinem nulidades ou inexistência do acto impugnado.

A acção em questão é susceptível de tutela jurisdicional efectiva, de acordo com o artigo 2º, nº 1 e 2, alínea d) do CPTA, pois aos direitos e interesses protegidos, corresponde uma tutela jurisdicional, que visa obter a anulação dos actos administrativos.
Assim, estamos perante uma acção administrativa especial, nos termos do artigo 46º, nº 1 e 2, alínea a) do CPTA.

João Bemnascido intentou acção administrativa especial, na modalidade de acção de impugnação de acto administrativo, contra o Ministério da Saúde e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (artigo 10º CPTA), em coligação passiva, de acordo com o artigo 12º, nº 1, 2ª parte, alínea a) do CPTA.

Questões prévias:

À Administração Pública, no exercício da função administrativa, cabe a prossecução do interesse público e respeito pelos interesses legalmente protegidos dos particulares.
O princípio do interesse público traduz-se numa directiva finalística que enquadra a actividade de todas as entidades públicas na satisfação do interesse colectivo. O interesse público é definido pelo legislador, em cada momento, cabendo à Administração Pública, que tem margem de liberdade, dar-lhe adequada concretização, no desempenho da função administrativa.
Cabe à Administração a escolha da oportunidade e da adequação do meio de prosseguir o interesse público dentro da sua margem de livre apreciação, sem pôr em causa as vinculações legais a que está adstrito sob pena de ilegalidade, pois a lei não é só o limite à actividade administrativa, mas também o seu fundamento.

Relativamente à impugnação do acto de encerramento da Maternidade Alfredo dos Campos (Despacho n.º 4567/2012 do Ministro da Saúde, de 5 de Abril de 2012, publicado no Diário da República, II série, n.º 65, de 20 de Abril de 2012):

Tendo em conta que estamos perante “um valor constitucionalmente protegido” (artigo 64º da CRP), trata-se de uma acção popular nos termos do artigo 9º, nº 2 do CPTA, podendo ser intentada por qualquer cidadão que pretenda ver tutelados, em processos especiais e cautelares, valores e bens protegidos, como a saúde pública, tal como dispõe o artigo referido. Deste modo, o autor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, pode dirigir-se aos tribunais administrativos, em defesa desses valores (artigo 2º, nº 1 da Lei 83/95).
No entanto, o particular tem, igualmente, interesse próprio na acção, pelo que tem legitimidade singular, nos termos do artigo 9º, nº 1 do CPTA.

Na petição inicial refere-se a violação de diversos direitos fundamentais, nomeadamente, o direito à vida e à constituição de família. Pensamos que, neste caso, a discussão não deveria ser colocada nestes termos. Estes direitos não são, de forma alguma, colocados em causa pelo encerramento da maternidade. O único direito que poderia estar em discussão seria o direito à saúde.
O direito à saúde é um direito fundamental (art 64º CRP) que, apesar de constar do catálogo dos direitos económicos, sociais e culturais, é ideia assente de que é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, aplicando-se-lhe o seu regime (art 17º, e 18º CRP).
É função do Estado assegurar o direito à protecção da saúde, garantindo este acesso aos cidadãos, independentemente das suas condições económicas (art 64º/3 CRP). Como prestação positiva da actuação do Estado, pressupõe a racionalização dos recursos disponíveis, estando a sua realização dependente da realidade económica.
O legislador concretizou este comando constitucional em vários diplomas legais, entre os quais: a Lei de Bases da Saúde (lei nº 48/90, de 24 de Agosto, alterada pela lei nº 27/2002 de 8 de Novembro e o Decreto-lei nº28/2008 de 22 de Fevereiro (estabelece o regime de criação, estruturação e funcionamento dos agrupamentos de centros de saúde do sistema nacional de saúde).
No entanto, concluímos que este direito também não seria violado, uma vez que se encontram diversos hospitais com maternidade na Área Metropolitana de Lisboa, como por exemplo, o Hospital de Santa Maria ou o Hospital de S. Francisco de Xavier.

Além disto, o historial clínico da paciente seria transferido para a Maternidade PPP, o que não poria em causa a sua saúde, pois a equipa clínica que a seguisse na referida unidade hospitalar teria acesso a toda a informação relativa à sua condição médica.

Relativamente aos princípios constitucionais arguidos como tendo sido violados pela decisão de encerramento, como os princípios da tutela da confiança, da igualdade, da imparcialidade e da justiça, não se encontram, mais uma vez, violados.
O princípio da tutela da confiança não foi violado, pois entendemos que isto só aconteceria, por exemplo, no caso de a paciente já ter o seu parto marcado, porque nesse caso já teria uma legítima expectativa de realizar o seu parto naquele estabelecimento. Não tendo esta marcação sido feita, a paciente não tem qualquer expectativa tutelável, inclusivamente, porque quando uma cidadã entra em trabalho de parto inesperadamente é levada para o hospital mais próximo e não para aquele no qual foi seguida durante a sua gravidez.
Os princípios da igualdade, da imparcialidade e da justiça não são, igualmente, violados, pois estas questões não se colocam no caso em apreço. O princípio da igualdade não é colocado em causa, porque todos os pacientes irão ter igual acesso aos vários hospitais da Área Metropolitana. Quanto ao princípio da imparcialidade, não houve qualquer violação, pois cremos que foi feita uma ponderação entre os interesses públicos e privados, não estando o Governo a ser parcial ao encerrar a Maternidade. Pensamos que a decisão de encerramento foi justa, uma vez que a situação de crise em que vivemos, obriga a certos cortes financeiros, para que se mantenha o nível de vida num patamar sustentável.

Alega ainda o autor que existe uma tradição na sua família de nascerem naquela maternidade. Porém, tal não lhe confere legitimidade para impugnar o encerramento da maternidade.

O artigo 267º CRP atribui aos cidadãos o direito de participação no procedimento. Relativamente ao despacho do Ministro, o procedimento adequado para que houvesse participação dos mesmos, seria a consulta pública, uma vez que há dispensa de audiência dos interessados, por estes serem de elevado número (artigo 103º, nº 1, alínea c) CPA). Deste modo, não se verifica a nulidade do acto, nos termos do artigo 133º, nº 1 do CPA.
O Ministro também poderia pedir um parecer ao Conselho Nacional da Saúde “ órgão consultivo do Governo” (Lei de Bases da Saúde, Base VII).

Outro vício invocado é o de falta de fundamentação da decisão de encerramento.
O dever de fundamentação é outra garantia constitucional dos administrados (artigo 268º, nº 3 da CRP). A fundamentação dos actos administrativos deve ser expressa através de uma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito, o que pode ser feito por mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pereceres, informações ou proposta, que constituirão nestes casos parte integrante do respectivo acto (art 125º/1CPA). A decisão de encerramento apresenta falta de fundamentos o que, à letra do nº2 do art 125º CPA, equivale à falta de fundamentação e constitui uma ilegalidade.

Com base em todas estas considerações, concluímos pela improcedência da acção intentada, devido à actual conjuntura económica, que levou o Estado português a pedir um empréstimo extraordinário. Por conseguinte, não obstante os direitos fundamentais se encontrarem no topo das prioridades do Estado de Direito Democrático, devemos atender à realidade económica e orçamental do Estado. Assim, à luz da reserva do financeiramente possível, consideramos não existirem meios económicos para a subsistência da existência da Maternidade Alfredo dos Campos.

Relativamente à incompetência do Presidente do Conselho Directivo da ARSLVT (Despacho n.º 78/2012 do Presidente do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, de 27 de Abril de 2012):

Quanto à violação de direitos, princípios e legalidades alegados na petição inicial, remetemos para o supra referido relativamente ao despacho do Ministro da Saúde.
Contudo, o Presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), nos termos do artigo 5º, nº 2, alínea a) da Lei Orgânica das Administrações Regionais de Saúde, concordamos com o autor quando refere que “a competência para coordenar a organização e o funcionamento das instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde da respectiva região, cabe ao Conselho Directivo da ARS e não ao respectivo presidente, que não invoca qualquer delegação de poderes” no quesito 104º da PI.
Desta forma, o despacho do Presidente da ARSLVT é anulável, de acordo com os artigos 135º e 136º do CPA.

Tendo em consideração o que foi anteriormente referido, somos de parecer, ao abrigo dos poderes que são conferidos ao MP, que deve ser considerado procedente o pedido de anulação do acto do Presidente da ARSLVT, por incompetência desse órgão.

Os Procuradores-Gerais

Ana Maria Costa

Ânia Conceição Vaz

Inês Grilo

Mamadu Djaló













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